sábado, 20 de novembro de 2010

Pronominais: um ponto de vista

Nesta postagem gostaria de pensar um pouco a respeito do poder da língua, mais especificamente sobre a questão do tão divulgado "falar bem", como garantia de um espaço privilegiado na sociedade. Esse espaço, que pode ser inclusivo ou excludente, é uma conquista. Mas, até que ponto domínio da língua está ligado a ela? Leia o poema a seguir para pensarmos juntos sobre tudo isso:

Pronominais

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
Oswalde de Andrade

Nesse poema de OSWALD DE ANDRADE cria-se a oposição entre o português falado segundo a gramática e aquele falado pelo povo. Apesar de serem opostos – não porque sejam diferentes, mas porque são verso e reverso das exigências gramaticais – as duas formas de expressão dizem absolutamente a mesma coisa e todos se entendem.
Nesse sentido – o da comunicação – a língua do povo é a mesma que a do “bom falante”, aquele que obedece a todas as regras gramaticais e, sob essa perspectiva, a despeito da oposição de que nos fala o poema, ela une, porque é entendida tanto pelo “gramático” quanto pelo “povão”.
A abordagem de Oswald de Andrade vai além: ele aponta a espontaneidade da fala como um fator de descontração e, por isso, de aproximação entre os falantes. Ou seja, o escritor está valorizando em seus versos a fala popular, uma variedade da nossa língua caracterizada por algumas especificidades léxicas e fonéticas, mas que, do ponto de vista da comunicação, equivale a norma padrão. A pompa do uso erudito é vista como uma forma de distanciamento, rejeitado pelo falante intuitivo, que no poema é descrito como “o bom negro e o bom branco da Nação Brasileira”, através da fala “Deixa disso camarada”.
Em outras palavras, o traço de união se concretiza pelo uso comum da língua, que torna seus falantes “camaradas” de um mesmo código, porque todos o compreendem. Dominar o uso da língua, contudo, torna-se um diferencial e pode se constituir num mecanismo elitizante.
Em um outro poema, Oswald de Andrade trata damesma forma esta questão. Quando o poeta nos diz que “para telhado (dizem) teiado/e vão construindo telhados”, temos a certeza de que o uso da língua materna é, ao mesmo tempo, um diferencial, que separa as pessoas pelo fato de “falarem corretamente” ou não, e uma identidade, que faculta a essas pessoas o pertencimento a um mesmo grupo lingüístico.

Texto extraído e adaptado da apostila da Fundação Cecierj
Imagem: google